Marlon Vital
… Sobre tradições e modernas ações ...
Marlon Vital - Julho / 2024
E como quase tudo que me proponho a fazer nasce a acaba em dúvida. Eis a questão fundamental que provoca esses escritos: Será necessário renovar as tradições?
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Escrevo esse texto após ter assistido ao show da Nação Zumbi e outro dos Los Sebosos Postizos. Penso que esta última banda seja uma das mais sinceras e belas homenagens na MPB ao incrível Jorge Ben, um músico que segundo a crítica esteve à “frente” do seu tempo, revisitando a tradição do sagrado Samba e propondo um tal de Samba Esquema Novo.
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Retorno ao Recife através de música - aliás as sonoridades me levam a muitos lugares - e penso que para falar da Nação e do movimento Manguebeat é preciso ressaltar a figura de Chico Science. Porém, sem dar menor importância para todos os camarás desta nação e suas muitas nações, tal como são as suas referências, seja o Afrika Bambaataa, além daqueles que precederam ou foram contemporâneos em musicalidades e poesias e dos Maracatus rurais e urbanos pelas ruas desse país. Cito por aqui Naná Vasconcelos, a banda Mestre Ambrósio, Mundo Livre S.A e o saudoso rei do Baião, Luiz Gonzaga, além dos demais músicos, cortejos e festejos populares brasileiros.
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Por falar desses tantos artistas pernambucanos, destaco por aqui as figuras de Chico Science e Ariano Suassuna, personagens que alimentavam grande respeito um pelo outro, ainda que apresentando visões diferentes e nem tão distintas sobre um desses Brasis profundos, recifense, sertanejo, regional e multicultural.
Supostamente um só queria cantar e o outro escrever sobre as belezas do seu povo, com isso acabaram se cruzando em algum ponto da história e nos encantaram com suas artimanhas. ​Nesses movimentos o Ariano formou com seus parceiros o Armorial e Chico o Mangue Beat. Sendo o primeiro culturalmente mais enraizado nos costumes do Sertão, enquanto o outro mais urbano e periférico.
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A inquietação que me provocou escrever esse texto partiu daquela velha história em que o Ariano não “considerou” o Chico como um ser Armorial. Pois é. Quem sabe? Infelizmente esses artistas já partiram e possivelmente houveram ditos e não ditos. Eu não tenho pretensão de dar importância nesse papo e muito menos comparar Chico com Ariano e o Mangue Beat com o Armorial, isso tudo seria uma heresia. Até porque esses dois personagens são consagrados na nossa cultura popular, além de que um movimento foi constituído para valorizar o interior desta nação e o outro para dialogar com o exterior. Possuem propósitos diferentes, ainda que estejam enraizados no mesmo solo.
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Porém, entre os ditos e não ditos dessa história, eu acredito ter ocorrido um fato interessante e que revela um aspecto comum entre esses dois mestres da cultura popular, sobre o qual o mestre Ariano ao valorizar nossa língua portuguesa acabou por nomear sabiamente o Chico de Ciência. Pois é. Quem sabe? Talvez Chico e Suassuna tenham sido cientistas sociais, culturais e políticos, sobre o qual poucos estudiosos e artistas tiveram tamanha sagacidade de revelar uma linguagem artística capaz de ser universal e regional em múltiplas camadas (escrita, sonora, visual, estética, política e sabe se lá o que mais).
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Se o Armorial brotou das raízes populares e tem se apresentado por tantos recifes através de seus cordéis, xilogravuras, poesias, danças, músicas e outras estéticas regionais, a Nação Zumbi também respeitou o seu território ao gingar capoeira e incorporar os tambores de Maracatu em sua psicodelia mundial, atravessando o Hip-Hop, Samba, Reggae, Rock n’roll .
E desde então os mangueboys tem cantado por aí: “Modernizar o passado. É uma evolução musical”.​Verdade Chico. E pensando sobre sua obra eu pressuponho que modernizar tem por fundamento respeito, vivências e atenção ao seu tempo. Não tem a intenção de ser disruptivo como boa parte das inovações. Neste sentido, talvez seja papel dos artistas e produtores culturais ter consciência sobre as tradições de seu povo e sempre que possível direcioná-las para movimentos contemporâneos e futurísticos. Pois é. Quem sabe?
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É ordem natural das coisas que um movimento cultural seja fluido e espiralar na linha do tempo. Sendo assim, ando me perguntando: Chico e Ariano serão atemporais? Modernizados por alguém? Considerados tradicionais e/ou a frente do seu tempo em algum momento? Pois é. Quem sabe? ​
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Por fim, após muitas reflexões eu termino com a dúvida inicial: Será necessário renovar as tradições?
Nesse caso, vou parafrasear o personagem Chicó, no clássico "O Auto da Compadecida" de Ariano.
Não sei, só sei que foi assim!
Chico Ciência
Colagem digital - Marlon Vital
